quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Espaço para a Manifestação


Não se planta uma árvore, sem abrir uma cova.
Não se constroi uma casa, sem um terreno.
Não se pode ouvir um som, sem o silêncio em que ele possa ecoar...
Nada do que desejamos pode se manifestar em nossas vidas sem o espaço, sem o vazio que acolhe a manifestação... Havendo espaço, tudo acontece naturalmente!

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Shivaísmo da Caxemira 2

Shivaísmo da Caxemira: a Escola das Tríades


Texto de João Gonçalves 
em O Som e a Escritura


Quando pensamos sobre os mistérios da existência do ser humano (e do universo) a partir dos ensinamentos do Shivaísmo, o conceito mais importante que vem à tona é o da tríade shiva(Consciência divina)-shakti(Manifestação)-nara(Indivíduo). Em segundo lugar, a tríade icchā(Desejo)-jñāna(Conhecimento)-kriyā(Ação).
A palavra sânscrita “trika” quer dizer tríade. É essa uma das formas de referir à tradição shivaíta caxemire, que, em verdade, não consiste de uma única doutrina, mas é um grupo de doutrinas interdependentes. De certa forma, Trika pode ser considerada como uma nomeação que provém do interior da tradição, enquanto que “Shivaísmo da Caxemira” nomeia a tradição a partir e em função do olhar externo. Traduzindo, essa escola iniciática chama-se Escola das Tríades. Belíssimo!
O ponto chave da tradição é compreender que, em essência, consciência divina (Shiva), manifestação (Shakti) e indivíduo (Nara) são idênticos. Trata-se então de um monismo (mono = um) pleno. Dá-se o nome de monistas às tradições espirituais que afirmam que a multiplicidade que presenciamos no mundo existe apenas superficialmente e, conforme, aprofundamos nossa percepção, o que é múltiplo demonstra-se como unitário. Uma palavra sânscrita que é usualmente empregada com essa intenção é “abheda” – literalmente: “não multiplicidade”.
Encaramos as diferenças pessoais como fatores determinantes para construir nossa própria imagem. Isto é, nossa auto-imagem tem origem na representação que fazemos do outro. Com isso, para a experiência no mundo ser positiva, é necessário que o indivíduo diferencie bem aquilo que ele é daquilo que ele não é. Essa visão não está equivocada, porém, gera um condicionamento que impede (e, no melhor dos casos, dificulta) a vivência de estados mais elevados de consciência. É bem vindo e necessário que saibamos diferenciar os vários níveis de existência: no nível denso, somos múltiplos, mas, no nível sutil, somos uma unidade.
Dado que a tríade afirma que consciência divina, manifestação e indivíduo são, em essência, idênticos, a crença profunda nas diferenças faz com que as tentativas de saltos da consciência do aspirante sejam reduzidas ao nível da experiência pessoal apenas. Como isso se modifica?
A explicação é longa. De acordo com a tradição, a criação do mundo não antecede a criação da consciência, como na visão dos evolucionistas. Também não há um criador que produz um mundo como um objeto externo a si mesmo, como na visão dos criacionistas. O mundo é emanação da consciência divina. Pensa-se no fogo e na combustão, inseparáveis, indistinguíveis. Eis aí a identidade entre dois elementos da tríade: divino (consciência) e mundano (manifestação) são idênticos. Um calor intenso, excessivamente intenso, é gerado no seio da luz da consciência divina e esta se transforma, num desdobramento expansivo descomunal, e torna-se então o mundo. Nesse ato de expansão, há também o ato de multiplicação: a consciência una manifesta-se sob múltiplas formas, expressando-se assim sob as consciências individuais.
E, então, estamos todos aqui, múltiplos, indivíduos que manifestam a consciência divina sob forma individual, em um incessante experimentar de tudo o que é sensorial. E isto não é um problema, nem uma queda, nem um efeito colateral da criação. É o que é. Somos o que somos. Se existe satisfação com essa condição, não há nenhum julgamento moral com relação a ela. Há, entretanto, os indivíduos que anseiam por uma superação de sua atual condição. Os indivíduos que não se satisfazem com o incessável buscar pelas relações e objetos exteriores.  E, para eles, a tradição iniciática propõe um descondicionamento de sua maneira de verem a si mesmos. Ao assumir que existe um vazio inerente às experiências comuns, procura-se preencher esse vazio com outras formas de vivência que resultam numa outra maneira de perceber-se e portar-se diante do mundo.
Trata-se então de um auto-reconhecimento (pratyabhijñā). Ver-se a si mesmo e redescobrir que a própria consciência é luz. Uma luz que está limitada. Nosso ser é uma expressão contraída do ser divino.
Uma prática contemplativa sugerida é esta:
Sentar-se em postura de meditação, de olhos fechados ou abertos. Dispor-se interiormente ao estado de presença. Evite lutar contra as distrações, elas simplesmente existem. Retorne o foco sobre si mesmo(a) sempre que preceber que a mente flutua. Observe sua consciência como luz. Procure sentir que essa luz está acesa. Lembre-se do fato de que você não sabe quem a acendeu, que não foi você quem a acendeu e que ela brilha desde sempre. Manter-se por alguns minutos nessa sensação. A seguir, associe a tríade à respiração da seguinte forma: (1) na inspiração, sinta seu próprio ser, como consciência indivídual; (2) retenha suavemente o ar e sinta a presença mais ampla e sutil do seu ser, buscando a consciência universal; e (3) na expiração, sinta a presença do mundo, a materialidade e a multiplicidade. Em síntese: o ar vem para dentro e sentimos o individual; a respiração é suspensa e sentimos o universal; o ar sai e sentimos o mundo material. Permaneça nesse ciclo de 5 a 10 minutos e depois suspenda, mantendo-se ainda em estado de interiorização, permitindo-se estar apenas presente. Finalize quando sentir que é o momento.
Sobre tríade desejo-conhecimento-ação, falarei no próximo post. É essa tríade que explica o estado de contração da consciência divina, manifesto em nós, indivíduos.
dica: veja o post A meditação natural e ininterrupta para conhecer dicas gerais sobre o preparo para a prática de meditação.

* a foto (tirada por mim) mostra um Yoni-liṅga (símbolo da conjunção essencial entre consciência e matéria) de um templo shivaíta em Khajuraho.



terça-feira, 16 de agosto de 2011

Shivaísmo da Caxemira

Novos conhecimentos que têm me encantado...

Shivaísmo da Caxemira: a busca pela consciência divina 


Texto de João Gonçalves 
em O Som e a Escritura


O Shivaísmo da Caxemira é uma tradição que surgiu a partir do século oitavo da Era Cristã. Tem-se como grande marco a obtenção inspirada dos Shiva-sūtras por Vasugupta (ler o relato tradicional). Shivaísmo porque tem Shiva como fonte e objetivo principais, da Caxemira, porque se desenvolveu na região geográfica assim chamada.

Ainda que exista grande reverência a Shiva enquanto deus (aquele do tridente, dançante ou em postura de meditação), não é esse o principal sentido do termo shiva no Shivaísmo da Caxemira. Shiva é a consciência universal, consciência divina, a luz alimenta cada forma de consciência.

O objetivo da tradição não é entender o que é Shiva, mas vivenciar sua presença. Mas para vivenciar, entender é um dos mecanismos essenciais que ajudam o aspirante.

Trata-se de um progresso em que a prática e o conhecimento vão se ajudando passo a passo. Não há prática sem conhecimento, nem conhecimento sem prática. Os conceitos só valem quando são praticáveis e as práticas se potencializam quando amparadas pelo conceito.

No Shivaísmo, entende-se que todas as consciências individuais são manifestações limitadas de uma única consciência. Somos, portanto, Shiva. Essa forma de compreender amplia enormemente a dimensão humana. O ser humano está envolvido em meio a uma série de véus que o impedem de perceber o quanto ele é grandioso, o quanto sua presença é ampla e universal.

Para compreender essa idéia precisamos ter em mente o fato de que o mundo existe em níveis sutis e densos. No nível sutil, está a unidade, e no nível denso, a multiplicidade. Somos indivíduos limitados no nível denso e somos também presença universal ilimitada no nível sutil. Somos as duas realidades ao mesmo tempo. A principal finalidade das práticas é levar o adepto à capacidade de vivenciar as duas realidades ao mesmo tempo. Não se nega o mundo para experimentar o divino. Pelo contrário, entende-se que o mundo é emanação divina.

Uma prática de meditação preparatória para introduzir o aspirante nessa realidade é a seguinte:


"Fechando os olhos, inspiramos e sentimos nosso corpo, seu peso, sua presença física e tudo o que diz respeito ao denso. Expiramos, suspendemos a percepção do corpo e simplesmente “ficamos em nós mesmos”, sentindo nossa presença sutil. Ficamos nessa alternância por um período de cinco a dez minutos e, a seguir, mantendo os olhos fechados, deixando a respiração fluir naturalmente, observamos a nós mesmos, sentindo a própria presença total, densa e sutil."

dica: veja o post A meditação natural e ininterrupta para conhecer dicas gerais sobre o preparo para a prática de meditação.

* a foto (tirada por mim) mostra um Yoni-liṅga (símbolo da conjunção essencial entre consciência e matéria) de um templo shivaíta em Khajuraho.


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Sobre o medo e o amor...

O que determina se algo nos parece mau ou bom é o medo que sentimos desse algo, não a realidade! A realidade simplesmente existe e é boa, é Deus... O medo é o oposto do amor; onde há medo, não há possibilidade de perceber a manifestação divina sempre presente em tudo!!

Certamente, aquilo que me desagrada, aquilo que condeno, aquilo que rejeito, é sempre aquilo que temo... Me desagrada o que temo experimentar, condeno o que temo praticar, rejeito o temo vivenciar...

Se não há temor entre mim e o outro ou entre mim e um fato, não há rejeição, não há conflito, não há problema, há paz! Portanto não me parece ser muito inteligente perder-se em infindáveis trabalhos de catalogação daquilo que devo ou não fazer, de como devo ou não ser, de com quem devo ou não andar... Talvez seja bem mais sábio procurar observar por que temo o que não devo fazer, porque me assusta o que não quero ser, por que tenho medo daqueles com quem não devo andar...

Amor é união, é relacionamento e comunhão... Onde há medo, portanto, jamais poderá haver amor!



quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Sobre o limite de nossas crenças...

Se entrarmos em um quarto e fecharmos portas e janelas, ficaremos seguros e totalmente livres para caminharmos dentro desse quarto... Até o limite das paredes, obviamente!
Penso que assim são as crenças, as religiões, as teorias e as verdades... Espaços limitados dentro dos quais nos sentimos seguros e por onde podemos nos mover apenas até os limites das paredes dessas crenças. Ao nos depararmos constantemente com as paredes limitantes, podemos passar a evitá-las, limitando um pouco mais nossa mobilidade e fingindo que não há limites, ou podemos encarar a realidade e abrirmos a porta para sair!
De minha parte, tenho concordado cada vez mais com Krishnamurti, "nem aceito, nem rejeito" coisa alguma... Estou preferindo caminhar pela existência observando o que é real, sem preocupação de classificar o que observo como "verdadeiro ou falso", "certo ou errado"... É bem mais leve caminhar sem carregar bandeiras, até porque, de carregar uma bandeira a ter o impulso de sentar o mastro na cabeça de alguém, é um passo muito pequeno!