sexta-feira, 29 de julho de 2011

Sobre amor e afeição...

"Isso é afeição, isso é amor. Quando você fala à minha consciência desperta, ela é dura, esperta, sutil, aguda. E você a penetra, penetra-a com seu ver, com sua afeição, com todo o sentimento que tem. Isso opera, nada mais." Jiddu Krishnamurti

Creio que "penetrar a consciência do outro" tem tudo a ver com empatia e compaixão (pressupostos sem os quais não pode haver amor...). Quando sou capaz de abrir mão de mim e realmente me colocar no lugar do outro, sentindo suas aflições e suas dores, sou capaz de ver o outro de verdade, sou capaz de compreender suas motivações, e posso entender que até os atos mais desagradáveis não são iniciativas deliberadas contra mim ou contra qualquer outra pessoa, são apenas manifestações do conflito interno de cada um... Sou capaz de sentir, com todo o meu amor, o que vai dentro do outro, de penetrar amorosamente a alma do outro... Sou capaz de entendê-lo, respeitá-lo e amá-lo... E isso muda tudo, muda a nós mesmos e muda o outro, que se sente reconhecido, respeitado, aceito e amado...

Se aquele que é "penetrado" também está com sua "consciência desperta", ele também é capaz de ter uma atitude empática e não só sentir a compaixão do outro e se beneficiar com isso, mas também é capaz de se colocar no lugar daquele que o ama, é capaz de sentir as dores, emoções e motivações do outro, aceitando-as, validando-as, sem, no entanto, misturar suas próprias emoções com as do outro... Sua consciência desperta é "dura, esperta"... Ele se mantém fiel a seus próprios princípios, atento ao outro e a si mesmo, mas não só às ações e comportamentos, pois sua consciência é "sutil e aguda", ou seja, ele é capaz de perceber além, perceber a verdade que move as pessoas, os reais conflitos por trás das atitudes mais banais...

A questão principal parece estar além da aceitação das ações do outro, pois isso é só resignação a algo que pode nos ser, muitas vezes, até desagradável... A afeição e o amor operam num plano mais profundo, em uma possibilidade de compartilhar as motivações íntimas do outro, colocando-se no lugar dele e sendo capaz de entender e sentir seus medos e conflitos. Aquele que ama entende o que move o outro, respeita e aceita a causa real desses conflitos, não se limita a observação das condutas exteriores, pois elas, por si só, são uma ilusão... Tanto palavras como ações são manifestações dissimuladas do vai dentro de nós, daquilo que realmente é, daquilo que somos para além de nossos egos.


Para chegar ao amor, é necessário "penetrar" o outro, para ver além do que ele faz ou como ele age, é preciso ser capaz de sentir o que ele sente, e isso não tem nada a ver conosco, como também os atos do outro não têm nada a ver com a gente... são só a manifestação exterior de quem o outro é! Para aceitar e amar, é preciso ir além, sentir o que o outro sente e entender que isso não nos diz respeito, não é pessoal, não é contra ou a favor e nós e de nosso imenso ego... Para aceitar e amar, é preciso aceitar amorosamente os conflitos do outro, permancendo firmes e atentos a nossos próprios conflitos... E isso é muito, mas muito mais do que aceitar o que o outro faz, diz ou do que o outro gosta... É aceitar a manifestação divina, porém impermanente que é o outro... É aceitar a impermanência e a imperfeição... É amar o que nos parece belo, tanto quanto o que nos parece feio... É respeitar o agradável e o desagradável... é permitir o fluxo, o rio, de nossa existência e da do outro...

E, quando ambos estão nesse fluxo, vivenciando a possibilidade de estar plenamente atentos aos sentimentos do outro, aos conflitos do outro, sendo capazes de observar a aceitar amorosamente, sem tentar mudar nada, mas simplesmente comprendendo e validando o outro com um amor compassivo e empático, acho que ambos encontram um espaço de crescimento pessoal, de auto-aceitação e de aceitação do outro... E, nesse espaço, pode haver mudança, pois o melhor de cada um encontra condições para aflorar, pois não há projeções, só há empatia e compaixão... aí sim o amor "opera"; a presença de Deus, que é o amor, pode ser fazer sentir e pode fluir através das consciências plenas, sem esforço!...

Resumindo, não basta aceitar as atitudes e preferências do outro para amá-lo, pois é bem possível fazer isso sem amor algum, usando apenas um pouco de resignação e distanciamento! Mas amor não é distanciamento, é proximidade, é união... Para amar, é preciso, como diz Krishnamurti, "penetrar" o outro, ser capaz de entender e sentir o que o outro sente, ser capaz de reconhecer quais são os conflitos que levam o outro a ter as atitudes que ele tem... Se, ao estar "dentro do outro" e observar quem é esse outro, sou capaz de fazer isso sem julgamento, sem esforço e com delicadeza, então realmente eu sou capaz de amar, pois não quero mudar a pessoa amada, quero apenas estar emocionamente perto, conhecê-la, senti-la e respeitar alguém que, tanto quanto eu, é a "divina presença de Deus manifestada"!

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